Fonte: www.releituras.com, com a seguinte observação, no final, "Este poema, que foi enviado ao Releituras pelo autor, foi publicado em diversos jornais em 1980. Apesar do tempo decorrido, face aos acontecimentos políticos que vimos assistindo [muito antes das denúncias de mensalão e outras corrupções no governo do Presidente Lula e, conseqüentemente, de governos anteriores], ele permanece atualíssimo. Segundo Affonso Romano de Sant’Anna, foi publicado, também, em várias antologias, como A poesia possível, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1987, ‘mas os leitores a toda hora pedem cópias’, afirma o poeta".
 
Em virtude de economia de espaço, redigitarei o poema em forma de prosa.
É uma violência fazer isso, pois o ritmo dos versos se perdem e o visual de versos e estrofes também se perdem.
Recebi o poema e o conheci, pela primeira vez, graças à uma prima que mora no Rio de Janeiro, cuja página da Web será recomendada em breve. Como sempre gostei de confirmar as autorias, em virtude de textos apócrifos que circulam na Web, em Busca, encontrei "Releituras" e a explicação que redigitei acima.
Essa recomendação é muito importante: se você não tiver, diante dos olhos, a fonte do que está inserindo ou enviando por meio de mensagem eletrônica, primeiro, procure em Busca, para determinar a autoria e se não encontrar nada, acrescente "Autoria desconhecida". No caso da mensagem de minha prima, a autoria estava escrita. Eu é que complementei com informações que constavam em "Releituras".
 
Fragmento 1
Mentiram-me. Mentiram-me ontem e hoje mentem novamente. Mentem de corpo e alma, completamente. E mentem de maneira tão pungente que acho que mentem sinceramente.
Mentem, sobretudo, impune/mente. Não mentem tristes. Alegremente mentem. Mentem tão nacional/mente que acham que mentindo história afora vão enganar a morte eterna/mente.
Mentem. Mentem e calam. Mas suas frases falam. E desfilam de tal modo nuas que mesmo um cego pode ver a verdade em trapos pelas ruas.
Sei que a verdade é difícil e para alguns é cara e escura. Mas não se chega à verdade pela mentira, nem à democracia pela ditadura.
 
Fragmento 2
Evidente/mente a crer nos que me mentem uma flor nasceu em Hiroshima e em Auschwitz havia um circo permanente.
Mentem. Mentem caricaturalmente. Mentem como a careca mente ao pente, mentem como a dentadura mente ao dente, mentem como a carroça à besta em frente, mentem como a doença ao doente, mentem clara/mente como o espelho transparente.
Mentem deslavadamente, como nenhuma lavadeira mente ao ver a nódoa sobre o linho. Mentem com a cara limpa e nas mãos o sangue quente. Mentem ardente/mente como um doente em seus instantes de febre. Mentem fabulosa/mente como o caçador que quer passar gato por lebre. E nessa trilha de mentiras a caça é que caça o caçador com a armadilha. E assim cada qual mente industiral?mente, mente partidária?mente, mente incivil?mente, mente tropical?mente, mente incontinente?mente, mente hereditaria?mente, mente, mente, mente. E de tanto mentir tão brava/mente constroem um país de mentira diária/mente.
 
Fragmento 3
Mentem no passado. E no presente passam a mentira a limpo. E no futuro mentem novamente. Mentem fazendo o sol girar em torno à terra medieval/mente. Por isto, desta vez, não é Galileu que mente, mas o tribunal que o julga herege/mente. Mentem como se Colombo partindo do Ocidente para o Oriente pudesse descobrir de mentira um continente. Mentem desde Cabral, em calmaria, viajando pelo avesso iludindo a corrente em curso, transformando a história do país num acidente de percurso.
 
Fragmento 4
Tanta mentira assim industriada me faz partir para o deserto penitente/mente, ou me exilar com Mozart musical/mente em harpas e oboés, como um solista vegetal que absorve a vida indiferente. Penso nos animais que nunca mentem, mesmo se têm um caçador à sua frente. Penso nos pássaros cuja verdade do canto nos toca matinalmente. Penso nas flores cuja verdade das cores escorre no mel silvestremente. Penso no sol que morre diariamente jorrando luz, embora tenha a noite pela frente.
 
Fragmento 5
Página branca onde escrevo. Único espaço de verdade que me resta. Onde transcrevo o arroubo, a esperança, e onde tarde ou cedo deposito meu espanto e medo. Para tanta mentira só mesmo um poema explosivo-conotativo onde o advérbio e o adjetivo mentem ao substantivo e a rima rebenta a frase numa explosão da verdade. E a mentira repulsiva se não explode pra fora pra dentro explode implosiva.